As alterações nas normas para fiscalização de trânsito serão benéficas para o trânsito brasileiro? Leia a reportagem de Pauline Machado.
Com o objetivo de promover a fiscalização ostensiva no trânsito, priorizando o cunho educativo e não unicamente punitivo, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabeleceu, neste mês de setembro, novas regras para o uso dos radares pelos órgãos de fiscalização.
A partir de agora, os radares fixos só podem ser instalados em locais onde houver placas de sinalização indicando o limite máximo de velocidade da via. Nos locais em que houver redução do limite de velocidade, deverá haver placas indicando a gradual redução. De acordo com a norma, passa a ser proibida a instalação de radares em locais onde haja obstrução da visibilidade por placas, árvores, postes, passarelas, pontes etc.
“O propósito das mudanças aprovadas é fazer com que o condutor seja alertado sobre o limite de velocidade da via, perceba os riscos, reduza a velocidade do veículo e, assim, diminuir a chance de ocorrer acidentes. O que se pretende é fazer com que os limites de velocidade sejam obedecidos em vez de simplesmente multar o condutor. A fiscalização ostensiva e educativa fortalece medidas preventivas e de segurança, evitando violações de normas”, explica o presidente do Contran e diretor-geral do Denatran, Frederico Carneiro.
Entre as modificações aprovadas, também estão a proibição do uso de equipamentos sem dispositivo registrador de imagem; a restrição do uso do radar do tipo fixo redutor em trechos críticos e de vulnerabilidade de usuários da via, especialmente, pedestres, ciclistas e veículos não motorizados; e a publicação da relação dos trechos e locais aptos a serem fiscalizados nos sites da autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via.
O que muda e o que melhora?
Neste sentido, André Garcia, consultor em Segurança no Trânsito, ressalta que o Brasil conta com legislação para fiscalização de velocidade desde a vigência do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), de 1997, que entrou em vigor em 22 de janeiro de 1998.
De acordo com ele, houve um período em que era obrigatório informar que a via pública contava com fiscalização eletrônica. Este período durou de 22/11/2006 (Resolução 214/06) a 22/12/2011 (Resolução 396/11). No entanto, foi neste mesmo tempo que se criou a modalidade de frear para que o condutor não fosse multado.
Embora Garcia veja o ‘dificultar o excesso de velocidade na via pública por medo de ser multado’, como o principal benefício dos radares, ele não reconhece tais mudanças aplicadas pelo Contran como positivas para o trânsito.
“É redundante o Contran afirmar o que já é explícito no Código de Trânsito Brasileiro – CTB, no que tange à sinalização da via pública. A fiscalização deve existir sem que o cidadão saiba onde ela ocorre para que as leis de trânsito sejam cumpridas. Por isso, tais mudanças não trazem efetivamente melhorias para o trânsito brasileiro”, afirma.
Ainda, conforme o especialista, é dever do ente responsável pela via pública, utilizar sinalização adequada. “Ao motorista, cabe cumprir a regra para não ser multado. No entanto, em vários estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e no Distrito Federal, os respectivos Detrans informam que, anualmente, a multa por excesso de velocidade ainda é disparada a primeira colocada. Então, o que vejo é uma forte tendência de voltarmos à prática da modalidade de frear, como tínhamos entre 2006 e 2011”, justifica.
Foco na educação
Para que, posteriormente à implantação de tais mudanças, a comunicação seja eficaz e a fiscalização seja de fato efetiva e benéfica para a educação de condutores e pedestres, Garcia considera que o governo deve utilizar propagandas em rádio, TV e internet. “É importante não apenas sugerir, mas, sobretudo, mostrar o benefício que todos os usuários da via pública têm ao cumprir as regras de trânsito. Inclusive o pedestre, que apesar da regra ‘o maior cuida do menor’, não tem direito absoluto sobre a via pública. Ele tem que, por exemplo, atravessar onde é permitido e na faixa de segurança”, analisa.
Caráter educativo x punitivo
No entanto, na opinião do especialista, para tornar a legislação de trânsito educativa, seria necessário estabelecer um novo Código de Trânsito Brasileiro. Para ele, o atual tem caráter punitivo. “No código vigente, não há um só artigo que permita ao agente de trânsito uma advertência verbal ou elucidar determinada ação do motorista. Isso ocorre porque quando se criou o CTB, o legislador entendeu que para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação é condição “sine qua non” o cidadão conhecer a legislação de trânsito. Isso não foi cumprido na esfera educacional para formação de condutores”, enfatiza.
Logo, a violência no trânsito e o descumprimento da legislação de trânsito estão diretamente relacionados à falta de educação do brasileiro, avalia.
“Parece-me que o Governo fala o que parte do povo quer ouvir quanto a acabar com a indústria da multa, o que não é verdade. Existem problemas pontuais que devem ser solucionados e quando necessário cobrar o Ministério Público para atuar em face ao gestor público. Por isso, como afirmei, não vejo melhoras substanciais com tais mudanças. O que vejo no Brasil é uma total falta de cultura de segurança viária e no cumprimento de regras que proteja o coletivo”, conclui.