A penalidade de cassação da habilitação tem sido uma realidade em grande parte dos estados brasileiros nestes últimos anos. São milhares de processos instaurados anualmente visando à retirada da habilitação de condutores que incorreram em condutas como dirigir suspenso ou reincidentes em determinadas infrações, numa punição considerada mais rigorosa que a própria suspensão do direito de dirigir.
Para você que talvez tenha dúvidas quanto às diferenças dessas penalidades, encare a suspensão do direito de dirigir (prevista em especial no artigo 261 e seus incisos e parágrafos do Código de Trânsito Brasileiro – CTB) como um impedimento temporário (variando de 2 a 24 meses, conforme o caso e se há ou não reincidência), na qual o condutor fica impossibilitado de conduzir, mas não deixa de ser habilitado, apenas deve cumprir o prazo, realizar curso de reciclagem e obter aprovação no mesmo, mediante um exame com questões de múltiplas escolhas aplicado pelo DETRAN do Estado de registro da CNH (conforme Art. 5º da Resolução 723/18 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN).
Já a cassação, que é o que nos interessa aqui, é um impedimento definitivo (não confunda com permanente, pois não há punição perpétua no trânsito), ou seja, o condutor torna-se inabilitado, só podendo retornar à direção passados dois anos da cassação e se submetendo a um processo chamado reabilitação.
A grande questão é: condutor que foi cassado deve fazer todo o processo de primeira habilitação novamente?
Percebe-se que inexiste consenso entre autores e os próprios DETRAN, sendo que alguns entendem que o condutor cassado deve se submeter a TODO o processo de primeira habilitação, como se fosse sua primeira vez, considerando a reabilitação como a realização de todas as etapas (exames e cursos). Ora, não é isso que se depreende da leitura dos artigos 263 do CTB e das resoluções 168/04 e 723/18, ambas do CONTRAN, órgão normativo máximo do Sistema Nacional de Trânsito e responsável pela regulamentação do tema (artigo 12, I, CTB).
É claro que a redação das nossas normas de trânsito sobre o tema poderia ser melhor, mas não é tão difícil chegar à conclusão de que o condutor cassado NÃO DEVE FAZER todo o processo de habilitação novamente.
Diz o parágrafo 2º do artigo 263 do CTB:
2º Decorridos dois anos da cassação da Carteira Nacional de Habilitação, o infrator poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma estabelecida pelo CONTRAN. (grifamos)
Perceba que já na leitura da Lei nº 9.503/97 (que instituiu o CTB), identifica-se que o processo a que se submete o condutor que foi cassado, após dois anos de aplicada a penalidade, chama-se Reabilitação e consiste somente na realização dos exames da primeira habilitação, quais sejam os de Avaliação Psicológica, Aptidão Física e Mental, Teórico-Técnico e de Prática de Direção Veicular, não sendo mencionado quaisquer dos cursos que o candidato a Primeira Habilitação se submete: Teórico-Técnico e Prática Veicular. Posto isso, já poderíamos encerrar aqui a questão, percebendo que não se trata do processo todo novamente. Porém, vamos observar como o CONTRAN estabeleceu a cassação e, principalmente como se dá esse processo de reabilitação.
Primeiro vamos verificar que a Resolução 168/04, bem como suas inúmeras alterações, versa sobre o processo de habilitação, os cursos especializados, mudança de categoria e também curso de reciclagem, além de reforçar as exigências do curso de reabilitação citado pelo CTB.
Vale mencionar que o CONTRAN inovou com o artigo 42 da resolução supracitada, na medida em que passa a prever, além dos exames, curso de reciclagem, o que não existe na previsão legislativa (aliás, tema que inclusive tem sido discutido no Poder Judiciário). Leia-o:
Art. 42. O condutor que tiver a CNH cassada, após decorrido o prazo de 02 (dois) anos da cassação, poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se ao curso de reciclagem e a todos os exames necessários à mesma categoria da que possuía ou em categoria inferior, reservando a data da primeira habilitação. (grifamos)
Mais uma vez fica evidenciado que o chamado processo de Reabilitação depende apenas da realização dos exames previstos da primeira habilitação somados, agora, com curso de reciclagem (que é, atualmente, de 30 horas/aula, e não 45 h/aula como o curso da Primeira Habilitação). Isso também era reproduzido na Resolução 182/05 do CONTRAN e que foi revogada pela 723/18 deste mesmo órgão e que trata justamente da uniformização do procedimento administrativo para imposição dessa penalidade. Vejamos o artigo 20 da Resolução atual:
Art. 20. Decorridos 02 (dois) anos da cassação do documento de habilitação, o infrator poderá requerer a sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários, na forma estabelecida no § 2º do art. 263, do CTB.
Se compararmos com o artigo 21 da Resolução 182/05, revogado, notamos que a atual redação praticamente não sofreu alterações, mantendo o mesmo entendimento que aqui defendemos.
Ainda, o artigo 42-A, incluído na resolução 168/04 pela resolução 169/04 assim versa:
Art. 42A. A reabilitação de que trata o artigo anterior dar-se-á após o condutor ser aprovado no curso de reciclagem e nos exames necessários à obtenção de CNH da categoria que possuía, ou de categoria inferior, preservada a data da primeira habilitação. (acrescentado pela Resolução nº 169/05) (grifamos)
Se ainda restava dúvidas de que o condutor cassado teria que fazer todo o processo de primeira habilitação (aliás, se assim fosse, não poderia ser chamado de primeira habilitação, mas de segunda habilitação, pois não há como fazer pela primeira vez algo que já foi feito antes!), elas caem por terra na leitura do artigo acima incluído pela Resolução 169/04: veja que o condutor cassado, após dois anos, passa por um processo de reabilitação, que já conhecemos suas exigências (todos os exames e curso de reciclagem), porém pode optar por fazer o exame de direção na categoria que possuía antes de sofrer a penalidade de cassação da CNH, ou seja, se habilitado na categoria AE, apenas fará exame prático de direção veicular na categoria A e na categoria E, sendo-lhe expedido documento com as referidas categorias, ou ainda pode optar por fazer exame em categoria inferior, se ver alguma vantagem nisso.
Ora, como poderia ser um processo de primeira habilitação todo de novo se o candidato cassado pode voltar a ter as categorias que possuía antes? Inexiste processo de primeira habilitação para categorias C, D ou E (tratadas na legislação como Mudança de Categoria). Por certo não é possível que esta confusão persista, analisados tantos dispositivos que seguem o mesmo sentido, sem contradição entre si.
Mas existe DETRAN que aplicam a penalidade e possui um processo de reabilitação diferente do que este texto aborda? Pelo que já observei de conversas com profissionais e condutores que sofreram essa penalidade das mais diversas unidades da federação, infelizmente a resposta é sim. Mas a legislação não é nacional? Certamente é, porém, perceba que se alguns órgãos executivos estaduais interpretam e aplicam de modo diverso, é uma questão a ser reavaliada pelo setor jurídico desses órgãos, pois, ao nosso entender, estão exigindo etapas para além da prevista tanto na Lei propriamente dita (CTB) quanto nas referidas Resoluções do órgão normativo nacional (CONTRAN).
Por isso reiteramos que se algum Estado está exigindo todo o processo de habilitação (incluindo curso teórico de 45 horas/aula e curso prático de direção e, ainda pior, determinando o rebaixamento da categoria da habilitação), está cometendo uma grande ilegalidade e deve rever seu entendimento com urgência.
Ao cidadão e profissionais da área, verifiquem no seu Estado, através do respectivo DETRAN se a norma nacional está sendo respeitada ou se há outro entendimento que acabe prejudicando ilegalmente o cidadão que já sofreu a sanção cronológica de 2 anos sem dirigir, deve se submeter aos exames para atestar as condições de dirigibilidade, mas não devem obrigatoriamente se submeter aos cursos de Primeira Habilitação, a final, como vimos, já era habilitado e não existe punição perpétua quando a própria norma prevê a reabilitação nas categorias obtidas antes da cassação.