Deficiências físicas podem limitar as pessoas em alguns aspectos, mas, felizmente, vivemos em um tempo no qual a tecnologia e a medicina reduziram significativamente estas limitações. E, se há algo que definitivamente não é afetado por deficiência nenhuma, este algo é o gosto por carros. Aqui mesmo no FlatOut contamos várias histórias de gente que não deixam as diferenças físicas lhes impedirem de colocar em prática sua paixão por carros e corridas. Bartek Ostalowski, que perdeu os braços em um acidente e se tornou piloto de drift; Alex Zanardi, que não abandonou as pistas mesmo depois de perder parte das pernas; e mais recentemente o cara que pilota seu Ford GT adaptado sem usar as pernas e pretende quebrar o recorde atual para carros com controles manuais em Nürburgring.
Sendo assim, faz sentido que abordemos um assunto que ainda deixa muita gente em dúvida por aqui: as condições para adquirir um carro zero-quilômetro com desconto para pessoa com deficiência – ou simplesmente PcD. É uma prestação de serviço que muito provavelmente será útil para alguém da nossa comunidade.
Quem possui qualquer tipo de deficiência física, ou sofra qualquer que comprometa ou possa vir a comprometer sua mobilidade no futuro, a princípio tem direito a comprar um carro novo com descontos que podem chegar a mais 30% sobre o preço final do carro. Isto você provavelmente já sabia. E talvez também já saiba que a pessoa com deficiência ou problemas de mobilidade não precisa ser exatamente o motorista do carro – basta que ela seja um beneficiário do carro, sendo transportada por ele.
Nos últimos anos, mais pessoas tomaram conhecimento dos descontos e, consequentemente, o números de carros vendidos com preço reduzido para PCD aumentou rapidamente. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistiva (Abridef), em 2016 foram 139.000 automóveis. Em 2017, foram 187,7 mil – número que já foi atingido nos seis primeiros meses de 2018. A demanda é tanta que as fabricantes não têm estrutura para atendê-la com agilidade, e por isso as filas de espera para conseguir comprar um carro com descontos chegam a durar 200 dias.
Agora, há uma série de condições que precisam ser observadas para saber se alguém tem ou não direito ao benefício. Também é preciso saber que nem todos os carros podem ser adquiridos com todos os descontos, e que há alguns compromissos que precisam ser assumidos depois da compra. Por outro lado, o espectro do regulamento é bastante amplo e, de acordo com os critérios vigentes, cerca de 50% dos brasileiros têm a possibilidade de comprar um carro com uma ou mais isenções de impostos especiais para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
É comum que se encare a deficiência física como a ausência ou amputação de um membro e a imobilidade total ou parcial de uma pessoa. No entanto, há muitas outras condições físicas e neurológicas que resultam em mobilidade reduzida e na impossibilidade de conduzir um veículo comum sem adaptações — problemas na coluna, atrofias musculares, doenças degenerativas, lesões por esforço repetitivo (LER), artrite e artrose, derrames, tendinites, nanismo, sequelas de diabetes e uso de próteses.
Dito isto, mesmo quem opta por não dirigir ou não é capaz de fazê-lo pode se enquadrar nos critérios para obter as isenções de impostos. Condições como paralisia cerebral severa, autismo, síndrome de Down e deficiência visual podem impedir o portador de dirigir, mas não de comprar em seu nome um carro com descontos. Neste caso, até três motoristas podem ser indicados pelo proprietário do carro.
No total, são três os impostos que podem ser abatidos na compra de um carro: ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Contudo nem todos os carros estão sujeitos a todas as isenções, e nem todas as deficiências garantem que todos os descontos sejam aplicados.
A isenção do ICMS e do IPI é garantida para pessoas com deficiência física, deficiência visual, deficiência mental, autismo (mesmo que a pessoa tenha menos de 18 anos). Já a isenção do IOF é válida para pessoas com deficiência física, apenas. Ou seja: IPI e ICMS podem ter a isenção requerida por não-condutores, mas não o IOF IOF não.
Para obter todos os descontos na compra, é preciso optar por um carro com certas características. No caso do ICMS, ele precisa custar no máximo R$ 70.000 (limite congelado desde 2009 que alguns acreditam estar defasado para o mercado atual). Para ter desconto no IPI, o carro precisa ser de passageiros ou de uso misto, ter carroceria de quatro portas e motor de até dois litros de deslocamento. Já para ser comprado com isenção no IOF, o carro precsa precisa ter motor de até dois litros e 128 cv e ser fabricado no Brasil ou no Mercosul. Caso seja importado ou custe mais de R$ 70.000, o carro só pode ser adquirido com a isenção do IPI, que representa um desconto de 11% sobre o valor do carro.
Há, ainda, a isenção do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), renovável anualmente, que só pode ser requerido após a compra do carro. Pessoas com deficiência física, visual ou mental, ou ainda portadores de autismo, têm o direito de não pagar IPVA.
Ou seja: um carro pode ser adquirido com todas as isenções fiscais se for nacional ou produzido no Mercosul, tiver com deslocamento menor que dois litros, potência menor que 128 cv, e custar menos de R$ 70.000.
Em tese qualquer carro que se encaixe nestas características pode ser comprado por uma pessoa com deficiência, mas algumas fabricantes criam versões específicas para este público. Geralmente são carros automáticos que podem ou não perder alguns equipamentos para ficar mais baratos, focando-se nas características essenciais.
O Ford EcoSport Direct SE 1.5 é voltado a frotistas e PCD, com motor 1.5 flex de 137 cv e câmbio automático de seis marchas. O preço comum da versão SE é de R$ 68.690, mas os descontos para PCD reduzem este valor em cerca de R$ 15.000 — por ultrapassar o limite de 128 cv ele perde a isenção do IOF. O carro vem equipado com direção elétrica, ar-condicionado com acionamento manual, controles eletrônicos de tração e estabilidade e central multimídia com tela de 4,2”. Dito isto, o Eco Direct SE 1.5 perde as rodas de liga leve e o sensor de estacionamento traseiro.
A Toyota era uma das fabricantes que mais apostavam nas vendas diretas a pessoas com deficiência – até o ano passado era possível comprar uma versão especial do Corolla por menos de R$ 70.000 diretamente com a fabricante, com todos os descontos. O recém-lançado Yaris substituirá o Corolla no programa. Apesar de não ser um sedã médio, a fabricante acredita que o carro terá mais aceitação que o compacto Etios entre os consumidores que podem usufruir dos descontos. É uma estratégia diferente de fabricantes como a Chevrolet e a Volswagen, que preferem investir nos compactos para vendas diretas a pessoas com deficiência.
Já a Citroën tem dois modelos com versões moldadas para as isenções: o C3 Attraction e o Aircross Live. Ambos vêm com motor 1.6 16v de 118 cv e câmbio automático de seis marchas, e ambos são bem equipados, com direito a porta-luvas refrigerado e tela sensível ao toque de sete polegadas. O C3 custa R$ 57.540 e o Aircross custa R$ 66.990. Com as isenções, os preços caem para R$ 49.096 e R$ 46.990, respectivamente.
Fiat e Jeep possuem o Programa Autonomy, que dá descontos para quem compra um Mobi, Uno, Argo, Grand Siena ou Renegade. No caso do Jeep, a única versão que custa menos de R$ 70.000 é a 1.8 PCD, cujo motor de 139 cv é acoplado a uma caixa automática de seis marchas. O preço cai de R$ 69.990 para R$ 54.655 com as isenções. Como acontece com o EcoSport, ele também perde a isenção do IOF devido à potência superior a 128 cv.
A Honda possui o programa Honda Conduz, que oferece descontos para o Fit, o Civic, o WR-V e o HR-V. Dito isto, o único carro que custa menos de R$ 70.000 é o Fit Personal, voltado para pessoas com deficiência, tem motor 1.5 de 116 cv e câmbio CVT. Por R$ 68.700 (R$ 53.780 com isenções), o hatch dispensa rodas de liga leve, faróis de neblina e volante com comandos do sistema de som, mas vem com direção elétrica, piloto automático e controles eletrônicos de tração e estabilidade.
Esta é a parte burocrática da história – é preciso atenção e paciência para conseguir os documentos necessários para todas as isenções. Por outro lado, partes do processo podem ser feitas online, o que pode agilizar um pouco as coisas.
Antes de tudo é preciso obter um laudo médico, que pode ser emitido por um profissional particular ou do SUS, atestando a condição de mobilidade reduzida e a necessidade de um carro adaptado. Este laudo traz a descrição da deficiência de acordo com a CID (Classificação Internacional de Doenças) e as restrições causadas pela mesma.
O passo seguinte, caso o comprador seja também o condutor do veículo, é ir a uma auto-escola para conseguir uma CNH especial. É a partir dela que são definidas as condições necessárias para dirigir e adaptar o carro, após serem realizados exames médico, psicotécnico e prático.
Também é preciso obter o Laudo para Condutor, que será mais um atestado do tipo de deficiência e indicará também o carro ideal para cada beneficiário – alguns, por exemplo, atestam que é impossível para o motorista conduzir um carro com câmbio manual ou um carro com câmbio automático sem adaptações. Caso o condutor não seja o portador de deficiência, no documento constará apenas a identificação da doença no CID e a descrição da deficiência motora, visual ou mental do dono do carro.
A partir daí, começa a busca pelas diferentes isenções. Para conseguir a isenção no IPI e no IOF, é preciso ir até a Receita Federal e apresentar alguns documentos: declaração de disponibilidade financeira ou patrimonial, cópia da CNH (se houver), do RG e do CPF, além da comprovação de que o beneficiário contribui com o INSS (pode ser o holerite ou o demonstrativo da aposentadoria). A Receita também fornece os formulários de requerimento para a isenção dos impostos.
Depois de obter a isenção no IPI e do IOF, o comprador tem até 180 dias para requerer a isenção do ICMS junto à Secretaria da Fazenda. É preciso apresentar a mesma documentação exigida pela Receita Federal, mais uma declaração da concessionária onde será feita a compra, extrato bancário, comprovante de residência e a autorização da Receita para isenção do IPI e do IOF. A Secretaria da Fazenda emite o requerimento para a isenção do ICMS, que costuma ser aprovado em 30 dias. A partir daí começa a contar o prazo da fila de espera.
Como já dissemos, a isenção do IPVA pode ser pedida após a compra do carro, também junto à Secretaria da Fazenda. Novamente é preciso apresentar todos os documentos exigidos anteriormente, mais uma cópia da Nota Fiscal (pode ser eletrônica). Também é preciso ter em mãos uma declaração de que o beneficiário não possui outros carros adquiridos com isenção para PCD.
Até julho de 2018, a pessoa com deficiência tinha de ficar no mínimo dois anos com o carro comprado com isenções de impostos. Agora, o período mínimo é de quatro anos.