Imagine a cena: Filipinho, um piá de 9 anos, mora em um dos aprazíveis bairros de nossa querida cidade. É quase meio-dia e ele vai pedalando até o armazém, buscar azeite para a mãe que está preparando o almoço. Na volta, ele é parado por um agente de trânsito que, com ar severo, informa estar vendo o susto que Filipinho acabou de dar na Dona Janaína e no Seu Antônio, por estar pedalando na calçada. O casal de idosos ficou com medo de sofrer um atropelamento em plena calçada, lugar de pedestres. Pedro, o agente, chama a atenção do guri e tasca uma multa de R$ 130,16! Pedro, o agente de trânsito, age baseado no Art 255 do CTB – Código de Trânsito Brasileiro. Mas Filipinho não está com o seu RG. Na verdade ele mesmo nem sabe o que é RG. E ele não tem CPF, com certeza. O piá está paralisado, com os olhos estatelados.
Trata-se apenas de uma estorinha. De ficção, portanto. Por enquanto. A cena podia ter gerado, de fato, multa para o nosso pequeno ciclista: devia ter entrado em vigor, em abril do ano passado, a Resolução 706 do CONTRAN que, depois de 20 anos, finalmente viabilizaria o que está previsto nos Artigos 254 e 255 do CTB. Mas aí veio a Resolução 731 e jogou a data de início para março de 2019. Multar pedestres e ciclistas é só mais um dos acontecimentos polêmicos na legislação de trânsito do agitado ano de 2018.
A Resolução 706 já veio tarde, considerando que duas décadas se passaram sem que fosse possível cumprir o que está determinado no CTB. Mas também vem em boa hora.
Explico: tarde porque o CTB já nasceu, em 1997, prevendo punições para pedestres e ciclistas incautos e descumpridores de regras. Mas estas punições nunca puderam ser aplicadas porque não tinham sido regulamentadas. Por que esperaram tanto tempo? O pai do Filipinho teria aprendido, quando tinha a idade do filho, que calçada não é lugar para se pedalar e, talvez, tivesse ensinado seu amado filhinho a não fazer isso.
Mas se a situação descrita acima acontecer mesmo, a partir de março de 2019, o ciclista será multado. Ou não. Explico: há inúmeras dificuldades para cumprir esta regra. Tanto que houve o adiamento. É pouco provável que até o início desse ano, os órgãos de trânsito criem a estrutura necessária para fiscalizar e multar pessoas que não possuam cadastro no DETRAN. O sistema atual só considera dados do condutor (CNH, CPF) e do veículo (Chassi, Renavam, placa). Não existe habilitação para pedestres, nem para ciclistas. E bicicletas não têm placas.
Teremos um novo adiamento? É esperar para ver. Enquanto isso, um finalzinho para nossa pequena estória: o agente Pedro transforma tudo em um puxão de orelhas – no sentido figurado, para não ser enquadrado por abuso de autoridade – e tudo fica por isso mesmo.
Fonte: http://portaldotransito.com.br/opiniao/transito-e-a-sociedade/multas-para-pedestres-e-ciclistas/